“Não Olhe para Cima”: uma crítica, em forma de sátira, ao negacionismo de Trump e Bolsonaro
O filme Não Olhe para Cima é uma das mais impactantes sátiras contemporâneas. Ao mesmo tempo em que se apresenta como uma obra de ficção, revela-se como um retrato desconcertante do nosso mundo, expondo o negacionismo, as teorias da conspiração, a manipulação midiática e o descaso dos governos diante da ciência. Sua crítica se volta, sobretudo, a líderes como Donald Trump e Jair Bolsonaro, que durante a pandemia de Covid-19 minimizaram a gravidade da situação, promoveram desinformação e negligenciaram as recomendações científicas.
A narrativa acompanha um professor universitário e sua aluna de doutorado que, através de cálculos matemáticos, descobrem a iminente colisão de um cometa com a Terra. O desespero deles em tentar comunicar esse fato à Casa Branca é recebido com desprezo e oportunismo político. A presidente da república e seus assessores ignoram o problema, preocupando-se mais com popularidade e eleições do que com a vida humana. Essa figura caricatural é um espelho satírico de governantes que, diante da pandemia, desprezaram o uso de máscaras, desacreditaram vacinas e defenderam remédios sem comprovação científica.
Nem mesmo a mídia dá ouvidos aos cientistas: em um programa de TV, eles são ridicularizados, enquanto a gravidade da situação é transformada em memes nas redes sociais. Esse aspecto dialoga com a análise de Byung-Chul Han sobre a sociedade digital, na qual a informação séria é dissolvida em superficialidades e distrações. O cometa, aqui, simboliza a verdade científica que é banalizada em meio ao ruído informacional.
A esperança dos protagonistas renasce quando o governo anuncia que combaterá o cometa. Contudo, logo se descobre que uma grande empresa de tecnologia se uniu ao Estado para explorar os minerais raros presentes no corpo celeste. A prioridade não é salvar a humanidade, mas enriquecer ainda mais uma elite econômica. Assim, o filme critica diretamente o capitalismo predatório, que instrumentaliza a ciência não para o bem comum, mas para ampliar lucros às custas da vida da população.
Esse ponto se relaciona à advertência de Carl Sagan em O Mundo Assombrado pelos Demônios: a ciência é uma vela na escuridão, e apagá-la significa mergulhar na irracionalidade. Durante a pandemia, vimos esse processo se concretizar: a negação da ciência, a desinformação e a transformação de tragédias em disputas políticas revelaram o quanto ainda estamos vulneráveis ao obscurantismo.
Hannah Arendt também ajuda a compreender o filme, especialmente através do conceito da banalidade do mal. Não se trata de vilões caricatos que desejam a destruição, mas de líderes, executivos e burocratas que, em nome de interesses políticos ou econômicos, deixam de agir com responsabilidade. O mal, nesse caso, se manifesta em decisões aparentemente pragmáticas que ignoram vidas humanas.
No desfecho, o cometa cumpre seu destino e destrói a Terra, exterminando praticamente toda a humanidade. A presidente e alguns bilionários escapam em cápsulas espaciais rumo a outro planeta, mas acabam devorados por criaturas alienígenas. Essa ironia final denuncia a ilusão da “fuga individual”: diante de problemas globais, não há saída que não seja coletiva.
NÃO OLHE PARA CIMA é, portanto, muito mais que entretenimento. É uma crítica à indiferença política, ao uso distorcido da ciência e ao capitalismo voraz. É também um alerta para os nossos tempos: talvez não haja um cometa se aproximando, mas enfrentamos crises ambientais, sociais e sanitárias que podem ser igualmente devastadoras. O filme nos convida a refletir: será que teremos a coragem de olhar para cima, encarar a realidade e agir antes que seja tarde demais?
Alexandre Dettmann Kurth está cursando Licenciatura em Matemática (97,86% concluída) pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (Ifes); é professor de Matemática e Física pela Secretaria de Estado da Educação do Espírito Santo (Sedu/ES) e divulgador/comunicador científico, filosófico e teológico nas redes sociais.
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