Paulo Freire: 100 anos de um educador para além do tempo

 

No dia 19 de agosto, Paulo Freire completaria 100 anos se ainda estivesse entre nós. Mais do que uma efeméride, este centenário nos convida a revisitar o legado do Patrono da Educação Brasileira, um pensador cuja obra e prática pedagógica ultrapassaram fronteiras nacionais, tornando-o referência mundial em educação crítica e libertadora. Freire não defendia apenas uma alfabetização técnica, mas um projeto de educação voltado à emancipação dos sujeitos historicamente oprimidos – pobres, trabalhadores e trabalhadoras, mulheres, negros e demais grupos marginalizados pelo sistema capitalista e pelo modelo educacional tradicional. Sua pedagogia era, acima de tudo, um chamado à dignidade e à consciência crítica.

No coração de sua proposta estava o diálogo. O professor não é um mero transmissor de conteúdos, mas um mediador que aprende com seus alunos tanto quanto ensina. Para Freire, a escola deve ser um espaço vivo, onde o conhecimento acadêmico se conecta com a realidade concreta dos educandos. É nesse sentido que ele perguntaria: Como ensinar matemática a um operador de caixa? Como ensinar física a um pedreiro? Como ensinar química a uma cozinheira? Como ensinar biologia a um pescador?

Essas perguntas não são retóricas: elas revelam o compromisso com a transposição didática significativa, capaz de ligar o conteúdo formal ao mundo vivido de cada estudante. Não por acaso, Paulo Freire se destacou na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Sua experiência mais conhecida ocorreu em 1963, quando, em apenas 45 dias (um total de 40 horas), alfabetizou 300 cortadores de cana-de-açúcar no interior de Pernambuco. A metodologia ia muito além da decodificação de palavras: era a leitura do mundo antes da leitura da palavra. Sua pedagogia, embora gestada no contexto da alfabetização, pode ser aplicada em todas as áreas do conhecimento e em diferentes etapas da escolaridade. Professores de matemática, ciências da natureza, ciências humanas e linguagens podem e devem dialogar com a realidade de seus alunos para construir saberes que façam sentido.

Além disso, Freire foi um grande defensor da educação crítica (EC), conceito que dialoga com a teoria crítica da Escola de Frankfurt, tradição filosófica e sociológica de matriz marxista. O objetivo é claro: formar sujeitos críticos, capazes de questionar, interpretar e transformar a realidade em que vivem. Dessa perspectiva derivam propostas como a Educação Matemática Crítica, desenvolvida pelo pesquisador dinamarquês Ole Skovsmose, que amplia o pensamento freiriano para o campo da matemática, problematizando o papel social e político dessa ciência.

Celebrar o centenário de Paulo Freire não é apenas recordar sua trajetória, mas reafirmar seu chamado ético e pedagógico. Numa época em que ainda enfrentamos desigualdades profundas, negar ou silenciar a pedagogia freiriana é, em certo sentido, negar o direito de milhões de brasileiros e brasileiras a uma educação que liberta, que questiona, que transforma. Paulo Freire nos ensinou que ensinar exige coragem, humildade, esperança e amorosidade. Mais de um século após seu nascimento, sua pedagogia continua atual, necessária e desafiadora.


Alexandre Dettmann Kurth está cursando Licenciatura em Matemática (97,86% concluída) pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (Ifes); é professor de Matemática e Física pela Secretaria de Estado da Educação do Espírito Santo (Sedu/ES) e divulgador/comunicador científico, filosófico e teológico nas redes sociais.

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