Dia do (Etnoeducador) Matemático: Uma Homenagem ao Prof. Ubiratan D’Ambrósio
No dia 26 de agosto, comemoramos o Dia Nacional do Matemático. Mas não podemos esquecer que, além do matemático em sua dimensão técnica e científica, existe também o educador matemático, aquele que transforma o conhecimento em prática pedagógica e que dá sentido humano à abstração dos números. Por isso, nesse dia, nada melhor do que lembrarmos de um grande intelectual brasileiro: o professor doutor Ubiratan D’Ambrósio, que dedicou sua vida à matemática, à educação e à busca por justiça social, sendo pioneiro do movimento conhecido como Etnomatemática.
Nascido em 1932, D’Ambrósio trilhou uma trajetória acadêmica brilhante. Iniciou a graduação em Matemática na Universidade de São Paulo em 1952, concluindo o curso em 1955. Continuou seus estudos na mesma instituição, onde realizou o doutorado em Matemática Pura, entre 1958 e 1963. Lecionou em diferentes universidades brasileiras, como a USP, a Escola de Engenharia de São Carlos, a PUC de Campinas e a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro. Em 1964, foi convidado a ser pesquisador associado na Universidade de Brown, nos Estados Unidos, onde fez seu pós-doutorado. Lá, além de se aprofundar na matemática pura, envolveu-se com o Departamento de História da Matemática, ampliando seu olhar para a dimensão cultural do conhecimento matemático.
Um episódio marcante de sua vida foi a experiência em Mali, na África, onde participou de um projeto de formação de doutores em matemática. Durante esse período, percebeu algo que mudaria para sempre sua visão: os povos tradicionais possuíam formas próprias de lidar com o que poderíamos chamar de conhecimentos matemáticos, mas esses saberes eram invisibilizados pela academia eurocêntrica. A partir desse encontro com outras culturas, D’Ambrósio percebeu que a matemática não é uma construção única, fechada em si mesma, mas múltipla, plural, enraizada em diferentes histórias, necessidades e modos de vida.
Dessa percepção nasceu o conceito de Etnomatemática, definido por ele como as diferentes formas de matemática que são próprias de grupos culturais. Isso significa que, além da matemática formal ensinada nas universidades, existem as matemáticas dos povos indígenas, das comunidades africanas, dos quilombolas, dos camponeses, dos ribeirinhos, das populações tradicionais e até mesmo das práticas cotidianas que envolvem contagem, medição, jogos e estratégias. A Etnomatemática é, portanto, um campo que amplia nossa compreensão da matemática, reconhecendo que não existe apenas um saber válido, mas muitos, todos eles legítimos e dignos de estudo.
Esse olhar vai muito além da técnica. É também um posicionamento filosófico e pedagógico. Ubiratan acreditava que a educação matemática deve dialogar com as realidades culturais dos estudantes, respeitando seus saberes e experiências. Assim como Paulo Freire na pedagogia, ele entendia a matemática como ferramenta de libertação, de construção de dignidade e de promoção de justiça social. Ensinar matemática não era, para ele, apenas treinar habilidades ou resolver equações, mas possibilitar que os alunos compreendessem o mundo ao seu redor e se reconhecessem como sujeitos ativos do processo de aprendizagem.
Por sua contribuição extraordinária, D’Ambrósio recebeu inúmeros títulos e prêmios. Na Unicamp, tornou-se Professor Emérito em 1995. Em 2001, recebeu o Prêmio Kenneth O. May, da Comissão Internacional de História da Matemática. Em 2005, foi condecorado com a medalha Felix Klein, da Comissão Internacional de Instrução Matemática, considerado o maior reconhecimento na área da Educação Matemática. Sua produção intelectual inclui livros fundamentais, como Etnomatemática: elo entre as tradições e a modernidade (2001) e Matemática e Educação: da teoria à prática (1996), que seguem inspirando educadores no Brasil e no mundo.
Infelizmente, em 12 de maio de 2021, dia em que também se celebra o Dia Internacional das Mulheres na Matemática, perdemos Ubiratan D’Ambrósio, aos 88 anos. Sua partida passou quase despercebida pela grande mídia brasileira, o que revela a triste tendência de nosso país em valorizar mais os cientistas estrangeiros do que aqueles que constroem conhecimento em solo nacional. No entanto, sua obra e seu legado permanecem vivos. Como Paulo Freire, D’Ambrósio transcende fronteiras e se inscreve na história da educação como um pensador universal.
Celebrar o Dia Nacional do Matemático e do Educador Matemático é, em última análise, reconhecer figuras como ele, que souberam transformar a matemática em linguagem de vida. Ubiratan D’Ambrósio nos mostrou que não existe uma única matemática, mas sim muitas matemáticas, todas elas vivas, enraizadas em culturas e tradições diversas. Ele nos ensinou que a matemática pode ser humana, inclusiva e profundamente ligada à justiça social.
Por isso, sua memória permanece como um convite permanente aos educadores: não apenas ensinar conteúdos, mas aprender a aprender com os outros, respeitar a diversidade e fazer da matemática um caminho para a construção de uma sociedade mais justa, fraterna e solidária.
Nossa, que texto bacana, devemos valorizar muito os nossos cientistas brasileiros, e os da matemática então, aí que deve ser reconhecidíssimo, ainda mais no nosso país onde o maior índice de reprovação no ensino básico é na matemática.
ResponderExcluirSim... Precisamos dar valor aos nossos cientistas!
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